Às sete horas da
manhã de uma sexta-feira, Ana já estava acordada, pois sua ansiedade era muito
grande, enfim havia chegado a data mais esperada para ela nas últimas semanas.
Sofria de insônia, pois não aguentava mais tanta espera, as expectativas eram
as maiores possíveis. Ela se recordava de como foi difícil convencer seus pais
para deixá-la ir pela primeira vez ao playcenter, o melhor parque de diversões
em sua opinião, e finalmente ia pra lá por meio de uma excursão de sua escola.
Foi na 5ª série, ela tinha 11 anos de idade.
Ainda vestida de
pijama, desceu as escadas de sua casa, direcionou-se à cozinha, e como
imaginava seus pais já estavam acordados, sentados à mesa tomando o
café-da-manhã. Sua mãe a olhou com certa surpresa e disse:
- Menina, mas já
acordada?! O seu passeio é só às nove da manhã, e ainda são sete!
- Ai mãe... Não
consegui dormir direito – disse Ana, bocejando.
Sentou numa cadeira,
comia lentamente, apenas imaginando o cenário daquele parque, que por muitas
vezes seu irmão, que já tinha ido lá, contava coisas para Ana. “Como seriam as
montanhas-russas? Às 18h00 quando a noite começar a surgir, a noite do terror
será iniciada...”. Turbilhões de pensamentos como esses se passavam pela cabeça
daquela menina.
Quando o relógio
mostrou que era 08h40min, ela já estava pronta para sair de casa, vestida numa
roupa confortável, cabelos trançados, provisões em sua mochila, tais como algo
para comer, blusa de frio, escova de cabelo, enfim, coisas que ela achava
necessárias para passar o dia fora de casa.
Despediu de seus
pais, caminhou em direção a escola (que por sinal situa-se duas ruas abaixo de
sua casa), chegando lá, ficou decepcionada, percebeu que os ônibus não haviam
chegado.
Dentre tantos alunos
em frente à escola, ela conseguiu localizar sua melhor amiga, Kelly, em frente
ao portão. Ficou feliz em vê-la, andou ao encontro dela e disse:
- Oi Kelly!
- Iaê Ana, conseguiu
dormir direito hoje?
- Quê nada! Fiquei
muito ansiosa...
- E eu tive
pesadelos. – disse Kelly.
Não demorou muito,
quatro ônibus chagaram, professores faziam a chamada e os alunos entravam pouco
a pouco. Todos os veículos lotados de pessoas com muitas expectativas.
Demorou uma hora para
chegarem ao parque. Quando Ana entrou no playcenter, sentiu uma sensação
incrível de felicidade, ficou impressionada com cada detalhe, a montanha-russa
enorme, a grandiosidade do parque, tudo aquilo a impressionava. Conversou muito
alegremente com Kelly:
- Uau! Preciso ir em
todos os brinquedos, inclusive em todas as atrações da noite do terror!
- Sei não Ana... Não
gosto muito dessas coisas e nem do que pode acontecer... – disse Kelly.
- Afff! Para com
isso! Não vai acontecer nada, viemos aqui para nos divertir e você fica nessa
frescura! – disse Ana, repreendendo Kelly.
- Você não sabe o que
sinto nem o que sonhei por isso você fala dessa maneira! – falou Kelly, quase
chorando.
Ana sentiu-se culpada
por falar com ela daquela maneira rude, tentou compreendê-la:
- Está bem...
Conte-me, o que você sonhou?
- Foi horrível Ana,
era muito sangue no lugar! – contou Kelly, de uma maneira desesperada.
- Olha amiga, não se
preocupe, são só sonhos, simplesmente é o nervosismo, afinal hoje é noite do
terror não é mesmo?! Te dou razão para você sentir medo – disse Ana, tentando
confortá-la.
- Geralmente eu
costumo acreditar em sonhos – Kelly diz, sussurrando.
- Quer saber, vamos
esquecer esta história, ânimo! Temos muito que fazer ainda.
*
*
*
O que Ana não sabia,
era que Kelly possuía razões para acreditar em seus sonhos, uma vez sonhou com
uma voz de uma mulher pedindo ajuda, gritando socorro. Apenas uma voz. Certo
dia ela estava voltando da casa de sua amiga a noite, andando na rua ouviu um
grito, para seu desespero reconheceu a voz do seu sonho, uma mulher pedindo
socorro porque estava sendo violentada por um homem, ele estava a forçando para
beijá-lo.
Kelly resolveu pedir
ajuda para qualquer outra pessoa que aparecesse, correu pela rua e encontrou um
homem, falou desesperadamente com ele:
- Me ajude, por
favor, uma moça está sendo violentada, ela precisa de ajuda imediatamente!
- Como assim garota?
Quem está violentando ela? – disse o homem desconhecido.
- Não sei! Só vi que
ele a forçava para beijá-lo, e até coisas piores! Ela precisa de ajuda! Eu
sabia... Tive esse sonho...
- Como assim sonhou
com isso? Bem isso não importa, Vamos agora pra lá- disse o homem. Kelly
estranhou a atitude dele, o tom de voz que ele falou, mas no momento estava
desesperada demais com o que estava acontecendo.
Chegaram ao local,
dava para ouvir os gritos da mulher do sonho, o desconhecido que iria ajudar,
foi imediatamente para cima do agressor, os dois se batendo. Kelly e a mulher
gritavam apavoradas sem saberem como reagir.
Para a surpresa de
todos, o homem com quem Kelly pediu auxílio tirou uma adaga do bolso, apontou
para o outro e disse:
- Está mais do que na
hora de sua raça ser massacrada!
E o apunhalou.
*
*
*
Kelly acabou
concordando sobre o que Ana havia dito, para ter ânimo. Elas foram em várias
atrações, estava um dia bonito, tudo perfeito, sem chuva, o que não causaria
imprevistos com os brinquedos. Logo depois, foram no looping, uma das melhores
montanhas-russas do parque. Na fila do looping, próximas de chegar à vez delas,
um menino com aparência de que tinha quatorze anos de idade falou:
- Ei gatinha, quer
ficar comigo? Meu amigo também está a fim, podemos revezar!
- Você está louco?
Vim aqui para me divertir não para ter pesadelos com você! – disse Ana, com
raiva.
- Deixa disso guria,
eu não sou pra ser jogado fora! – o garoto fala, tentando agarrar Ana.
Ela lhe dá um tapa na
cara, o menino já ia levantar a mão para bater nela, porém um funcionário do
parque que era responsável por monitorar a montanha-russa interviu e o barrou:
- Quem bate em mulher
é covarde seu pivete! – diz o funcionário, irado.
- Se liga tio, você com
essa profissãozinha idiota não tem postura pra me ameaçar não! – diz o garoto.
- Eu acabaria com
você aqui mesmo, mas dou três segundos para você sair dessa fila e não
incomodar mais ninguém, senão eu chamo o segurança, e aposto que você não vai
querer que eu faça isso, ou será que vai?! – o funcionário fala, com toda raiva
possível.
O garoto acaba sendo
intimidado, sai da fila envergonhado, com as pessoas o vaiando por sua atitude.
- E vocês duas aí – o
funcionário fala pra Ana e Kelly – tomem cuidado, não se pode confiar em mais
ninguém hoje em dia.
- pode deixar moço. –
diz Kelly, estranhando tudo isso.
Com esse
acontecimento, elas resolveram esquecer e curtir o parque.
Quando olharam no
relógio, já era 17h40min, logo ia escurecer e os “monstros” seriam soltos. As
duas meninas foram para a área do parque onde haveria uma apresentação da noite
do terror. Quando deu seis horas, as luzes se apagaram, e vermelhas foram
acesas, estas não iluminavam com tanta intensidade.
Começou a
apresentação, cheia de efeitos especiais, a maquiagem dos “monstros” eram
perfeitas, para realmente assustar as pessoas.
Depois, Kelly começou
a falar com Ana, desesperada e assustada:
- Ana, eu quero ir
embora! Não suporto mais tudo isso!
- Calma Kelly! São
apenas pessoas maquiadas, nada mais.
- Não é isso, tenho
pressentimentos e não gosto disso! – disse Kelly.
- Vamos voltar a este
assunto novamente?! Fala sério Kelly! Se liga, não precisa ficar assim. Vamos
fazer o seguinte, pra você perder esse medo idiota, iremos às casas de terror,
só pra você ver como vai ser legal, logo estaremos rindo de tudo, dos sustos
que vamos tomar!
- Ai Ana...
- Deixa de besteira,
afinal estamos aqui para curtir o dia, e estou curiosa pra ir no labirinto dos
espelhos, falam que lá é a melhor atração. – disse Ana. Ela não sabia, mas se
arrependeria por falar isso.
Andaram pelo parque
(com muitos monstros no caminho) até chegarem à entrada da casa de espelhos, lá
dentro havia um labirinto, uma passagem assustadora até o final da atração. A
fila estava curta, dava para ouvir os gritos das pessoas, isso era considerado
normal, já que todos entravam lá para levar sustos.
Estava quase chegando
a vez delas, Kelly ficou segurando muito forte o braço de Ana, sua mão estava
gelada, ela parecia estar apavorada, pois falava a todo instante sobre
pressentimentos. Ana pensou “ela está com medo dos monstros, mas não quer
admitir, melhor eu ignorá-la, já estou cansada disso tudo”.
Finalmente entraram,
logo de cara havia monstros por todos os lados, seus reflexos e das pessoas por
todos os cantos, foram muitos sustos. Ana continuou caminhando, uma coisa
chamou sua atenção, um dos espelhos estava inclinado, e refletia de forma diferente
dos outros, parecia uma porta que não estava fechada direito. Virou-se para
comentar isso com sua amiga, mas percebeu que ela não estava por perto,
resolveu procurá-la pelo labirinto. “Depois volto nesse lugar”, pensou Ana.
*
*
*
Ana mal sabia que
Kelly havia se separado propositalmente, antes dela se virar, Kelly resolveu
andar por outra entrada do labirinto. Ela simplesmente não suportava mais ficar
aborrecendo a amiga, não gostava do fato de que ninguém a entendia, seus medos,
pressentimentos, pra todo mundo aquilo era besteira. Enxugou suas lágrimas,
realmente estava triste, precisava de um momento sozinha para refletir.
Até que ela viu momentaneamente
um vulto, indo na mesma direção que Ana havia seguido, até a porta no espelho.
Para Kelly, aquilo parecia familiar. Ela entrou e encontrou uma sala um pouco
escura, tropeçou em algo e caiu, sentiu algo molhado e quente onde havia
apoiado suas mãos, até que de repente, luzes de quatro monitores acenderam
então ela podia enxergar onde havia tropeçado, levou o maior susto de sua vida,
queria gritar, mas não conseguia, não havia forças em seus pulmões por causa da
cena à sua frente.
Corpos, muitos
corpos, sangue por todos os lados, era a coisa molhada que tinha sentido. Um
pouco mais à frente uma figura em pé, a que ela seguiu e descobriu porque lhe
parecia familiar. O funcionário que defendeu Ana e ela do garoto, mas não era
isso que chamava sua atenção, somente naquele momento veio em sua memória, a
mesma silhueta do homem que há algum tempo atrás ajudou a mulher do sonho de
Kelly.
- Você... Mas... Você
fugiu... Como pode...?! – disse Kelly, apavorada.
- Agora você me
reconhece não é mesmo?! Confesso que fiquei nervoso na fila da montanha-russa
achando que me reconheceria, pode me chamar de David, queridinha.
- Não me chame assim!
Seu monstro! Assassino! Já não bastava ter matado aquele homem? Mas essas
pessoas inocentes?!
- Você não entende
garota, estou fazendo um bem para a humanidade, olhe bem para essas pessoas, o
que você vê em comum? – pergunta David, melancolicamente.
Muito apavorada,
quase não acreditando no que estava acontecendo, Kelly olhou para aqueles
corpos e disse:
- São todos... Garotos?!
– percebeu que um dos corpos era o mesmo garoto da fila da montanha-russa.
- Cretinos seria a
palavra certa, todos aqueles que são machistas, explora as mulheres achando que
podem tudo! – disse David.
- Isso não te dá o
direito de matá-los! – Kelly diz com raiva daquele homem à sua frente.
- Você quer ouvir
minha história Kelly? Quer saber o porquê de eu possuir razões para isso?!
- Não quero ouvir
nada de você seu louco!
Kelly tenta voltar
pra porta que entrou, porém estava trancada. Ela não tinha opções senão esperar
ele ficar distraído enquanto fala, assim poderia pensar numa maneira de escapar
daquele lugar. Percebe que aqueles
monitores mostram lugares que estão sendo filmados dentro da casa de espelhos,
ela olha sua amiga no visor, e percebe que ela está procurando-a, lágrimas
enchem seus olhos, “por que me separei de você?” pensa Kelly.
- Você não tem opções
garota, tenha paciência, você entenderá tudo. Sabe, eu fui fruto de um estupro,
uma criança indesejada, porém minha mãe teve paciência, cuidou de mim. Ela era
pobre, foi mãe aos dezesseis anos, não tinha condições nenhuma de sustento,
ainda mais de cuidar de uma criança. Sua única alternativa foi aceitar a
proposta de meu pai, o homem que fez da vida dela um inferno, realmente ela não
tinha família e me amava demais para me abandonar. Foram muitas noites que o
desgraçado do meu pai batia em minha mãe, eu entrava na frente dele, tenho as
marcas até hoje... Até que um dia, ele estava bêbado demais, veio com uma adaga
pra cima de minha mãe, bem na minha frente ele a apunhalou no coração, sabe
quais foram suas palavras quando a matou? “para o bem da humanidade”.
Nesse momento, Kelly
percebeu uma lágrima no rosto dele, apenas uma. Ela quase teve pena dele,
quase.
- Ela... Ela foi uma
guerreira para mim... Não merecia aquele fim... Quantas vezes meu pai se
aproveitava dela, contra sua vontade, nos ameaçava se contássemos uma só
palavra para alguém. Foi muito doloroso para mim, o desgraçado conseguiu
esconder o corpo em algum lugar que não sei até hoje. Um dia simplesmente não
aguentei mais olhar pra cara daquele cretino, dos maus tratos que eu sofria e a
raiva que sentia pela morte da minha mãe. Numa madrugada, ele já estava
dormindo, resolvi acabar com ele de uma vez por todas, eu sabia onde ele guardava
a mesma adaga que matou minha mãe, fui ao quarto dele e fiz a mesma coisa, o
que ele merecia, apunhalei-o no coração. Deu tempo de ele ouvir minhas palavras
antes de falecer, “o melhor para a humanidade”. Acredito que eu tive mais razões para falar
aquilo. Fugi, tenho várias identidades, tenho meus contatos para disfarces, ninguém
nunca suspeitou de mim.
- Você... Você é um
monstro! – disse Kelly.
- Não garota, o
monstro era ele e muitos outros iguaizinhos a ele. Infelizmente no nosso mundo
há muito desse tipo de raça, deve ser massacrada.
Kelly sentiu um
arrepio, lembrando-se das mesmas palavras que ele havia dito na noite em que presenciou
um assassinato, naquele dia David havia fugido antes mesmo que alertassem para
a polícia. Um sentimento de raiva alastrou-se sobre ela, não aguentou,
aproximou-se de David e lhe deu um soco em seu queixo, reclamando de dor ele
disse:
- É contra meus
princípios bater em mulher, você é especial sabia? Ouvi sua conversa com aquela
sua amiguinha, sonhou com isso não foi? Isso minha cara, é intuição feminina,
admiro muito as mulheres, junte-se a mim, sei que você não possui família,
criarei você como uma irmã.
- Como...? Como você
sabe?! Não contei isso a ninguém! – disse Kelly, assustada, realmente isso era
verdade, mas nunca havia mencionado à ninguém que não tinha família, vivia com
sua vizinha, ela era sua tutora e sua vida com ela não era a das melhores.
- É fácil conversar
com os professores aqui no parque, eles sabem sobre você claro, caso contrário
você não poderia estar matriculada na escola. – disse David.
- Eu nunca irei me
juntar a você! Nunca!
Kelly tentou abrir a
porta desesperadamente, sem sucesso. David começou a falar:
- Minha cara, eu te
dei escolha, agora sou eu que não tenho escolha nenhuma, a propósito, não que
seja importante mencionar isso, utilizo a mesma adaga, para me lembrar de que
sempre precisarei de vingança. Nomeei-a de “iustitia”,
um nome em latim, com significado de justiça. Aguardo ansiosamente sua
amiguinha. E lamento muito ter de matar você, é um desperdício...
E lançou a adaga, em
direção ao seu coração.
*
*
*
Ana procurou Kelly
por todos os lugares do labirinto e não a encontrou, simplesmente não suportava
mais os sustos que levou naquele lugar. Resolveu voltar ao local onde havia
encontrado a porta, o único lugar da casa de espelhos que não tinha explorado.
Chegou lá, sua curiosidade estava ao extremo, hesitou um pouco, mas acabou
entrando mesmo assim, achando que aquele local fazia parte da atração.
O susto que tomou
quando passou por aquela porta, foi maior do que todos os outros daquele dia,
uma cena horrível e cruel. Ela não sabia o que pensar, os corpos estavam
espalhados de forma sinistra e cruel pela sala, apenas pensava “faz parte da
atração... Faz parte Ana, acalme-se”, porém o que seus olhos enxergavam não a
convencia de que era de mentira, Lágrimas escorriam em seu rosto, gritou da
maneira mais desesperada que pôde, sabia que isso seria inútil, pois eram
normais os gritos naquela atração.
*
*
*
David estava nas
sombras, divertindo-se silenciosamente da reação da colega de Kelly, iria
esperar o momento certo para aparecer. Trancou a porta com um dispositivo
(possuía travas automáticas), e aguardou.
* *
*
Ana observou os
corpos, todos eram meninos a não ser... Embranqueceu com o espanto, lamentou
chorando mais ainda, dessa vez de uma dor profunda em seu interior, bem abaixo
dela, Kelly jazia no chão, coberta de sangue, com uma faca encravada em seu
coração. Ana não conseguia controlar suas emoções, não podia acreditar que sua
melhor amiga estava morta.
Voltou em direção à
porta, tateou a procura da fechadura para sua surpresa percebeu que era automática,
e estava trancada. Procurou alguma saída, sem sucesso.
Os monitores se
acenderam, David revelou-se, Ana o reconheceu imediatamente como o funcionário
que presenciou o incidente na fila da montanha-russa. Com um tom de voz
sombrio, disse:
- O que faz aqui
garotinha? Caiu na isca não é mesmo? Por que não deu ouvidos à sua amiga em?! A
culpa é sua que ela esteja morta! Tenho de admitir, ela lutou bravamente, tem
um soco muito forte se me permite dizer. – Disse o funcionário, passando a mão
no queixo, era praticamente imperceptível no escuro, mas Kelly havia deixado um
hematoma.
- Como sabe o que ela
me disse?! – falei desesperada.
-Ouvi a conversinha
de vocês, e tive uma conversa interessante com ela antes de eu mata-la...
Lamento, um desperdício perdê-la, mas não tive escolhas.
- Seu maluco!
Maníaco! Psicopata! Somente uma pessoa com um coração podre como o seu teria
coragem para fazer uma coisa dessas! – disse Ana, insultando-o, explodindo de
raiva, indignação, e sentimentos difíceis de serem descritos.
- Tenho minhas razões
hã... Qual o seu nome mesmo? Ah claro, Ana! Não suporto meninos aproveitadores
de mulheres, e nos parques é onde mais se encontra essa espécie, deveria me
agradecer por isso, dei uma lição naquele garoto da fila. – disse David, apontando
para o corpo do garoto, até então Ana não tinha reparado.
Ela gritou, as
lágrimas escorriam com mais intensidade em seu rosto, David começou a falar de
uma história sobre seu passado. Ana o ignorou totalmente, aproveitou sua
distração para explorar a sala visualmente, com a ajuda da luz dos monitores,
conseguiu ver uma rachadura fina em uma das paredes oposta onde estava
posicionada, sabia que eram espelhos, fez a primeira coisa que veio em sua
cabeça, correu em direção à rachadura, David percebeu, tentou lançar a adaga na
direção dela, a quase a acertou, porém quicou na parede à centímetros de Ana,
mas ela foi ágil e conseguiu atravessar onde havia a falha . Sentiu estilhaços
de vidros afundarem em sua pele, uma dor agonizante.
As pessoas do outro
lado a olharam surpresas, Ana estava caída, começou a falar rapidamente e
desesperadamente, chorando:
- Socorro! Ajudem-me!
Pessoas mortas! Psicopata, louco! Minha amiga, eu...
-Calma menina – disse
um homem, era alto e parecia ter vinte anos – Que história é essa? Por que você
está assim machucada? Onde isso?
Ana, sem forças para
levantar apontou o dedo em direção ao buraco que havia feito no espelho.
Entraram, todos ficaram horrorizados com aquele cenário, imediatamente chamaram
os funcionários do parque.
O assassino não
deixou pistas de seu paradeiro, ninguém o viu, ou se viu não sabia quem era ou
o que ele havia feito. Logo, a polícia chegou, e uma ambulância também, para
socorrer Ana.
Foi um caos naquele
dia, não havia como esconder das pessoas o ocorrido. Amigos e parentes tentavam
consolá-la visitando-a no hospital, mas a dor que ela sentia, da perda de sua
amiga era muito grande. Pior que isso era a culpa, que se alastrava sobre ela,
aquela menina de apenas onze anos, passando por uma situação daquelas.
Vinte e três mortos,
somente uma menina, Kelly. Todos jovens com sonhos e ambições, não se falava
outra coisa nos noticiários. Não havia informações sobre o assassino, a não ser
o depoimento de Ana, o que não trazia respostas úteis.
O playcenter foi
fechado, ninguém mais acreditava que poderia haver diversão naquele local
depois do desastre marcante.
Sobraram apenas
lembranças para Ana, os dias felizes que passava ao lado de Kelly, sua melhor
amiga. Ela havia lhe avisado, mas Ana não deu ouvidos, o sentimento de culpa
nunca foi embora. A cada dia que passa ela teme, aquele assassino estava à
solta, sabe-se lá o que mais ele é capaz de fazer ou ter feito.
*
* *
Passaram três anos,
Ana já estava recuperada dos ferimentos, tentava levar uma vida normal. Quando
estava voltando da escola e chegou em casa, pegou as correspondências como de
costume, havia uma carta endereçada à ela mas sem remetente.
Abriu-a, dentro dela
estavam palavras escritas com recortes de revista:
“Uma já foi, aguarde
sua Vez. Iustitia”.
O pavor voltou a
tomar conta de seu corpo.
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