Nem o sol havia surgido pelo horizonte e lá
estava eu. Tirando a coberta da cabeça e desejando poder dormir mais. Aquele
sono tão bom que parecia surgir apenas nos últimos minutos da manhã ainda me
embalava, e tudo o que eu queria era poder ignorar o som do despertador e
voltar ao meu sonho com bruxas e dragões.
Porém, aquela musica que para mim já havia se
transformado em ruído não parava. Obrigando-me a sair da cama para pôr um fim àquela
tortura.
Como todos os dias,
em minha rotina matinal, peguei tudo aquilo de que precisava e desci as escadas
com cautela, para não acordar mais ninguém da casa e fui tomar meu banho.
Fiquei pensando, enquanto aquelas gotas tão
quentes do chuveiro acertavam e deslizavam pelos meus cabelos o que em algumas
horas estava para acontecer. Mais um dia monótono. As mesmas coisas. O mesmo
lugar. Os mesmos professores. As mesmas discussões. E mesmo estando habituada a
tudo aquilo apenas não passava de uma pessoa invisível, da qual os outros não
davam atenção.
Com um leve suspiro, fechei o registro e
terminei de me arrumar. Atravessei a fumaça que saia do banheiro direto para a
cozinha. Peguei o pão, a geleia e o suco. Montei meu café e comi em silêncio,
conseguindo ouvir apenas o leve ronco dos que dormiam no andar de cima. Debrucei-me
sobre a mesa, mastigando aquele pão que parecia estar mais triste do que eu. Há
como seria bom poder ter um dia diferente! Bons pensamentos me ocorriam, pude
sentir um leve sorriso se formar em meus lábios quando tentei imaginar como
seria o meu dia perfeito.
Tendo como motivação a ideia de quanto mais
cedo fosse mais cedo voltaria, deixei o que havia sobrado de meu café na mesa,
escovei os dentes rapidamente, joguei a mochila nas costas e me pus a caminhar
pela rua. Não poderia me atrasar.
Mas, aparentemente
havia chegado cedo. Pois os portões estavam fechados. O
frio da manhã parecia ter aumentado, e logo desejei estar com um casaco mais
quente. Encostei-me ao muro e fechei os olhos, lutando contra o sono e tentando
me convencer de que as aulas que estavam por vir seriam diferentes de algum
modo. Mal havia concluído estes pensamentos e senti alguém tocar meu ombro.
-Você está bem? –
Perguntou a menina de olhar doce que se encontrava a minha frente. Tinha longos
cabelos pretos e um olhar extremamente meigo. Sua pele tão branca parecia quase
pálida. Dando mais contraste com seus lábios que tinham um vermelho intenso. –
Você me parece um pouco triste e solitária. Quer companhia?
-Estou bem. – Respondi
ainda um pouco assustada com a abordagem repentina.
-Você estuda aqui?
-Sim. – Respondi mal
podendo acreditar que depois de tanto tempo o meu efeito invisível parecia ter
passado. Porém, sua presença me passava um sentimento estranho, algo que nunca
havia sentido antes.
-Interessante. Qual é
o seu nome? – Perguntou a garota sorrindo.
-Lídia. E o seu?
Não consegui ouvir sua resposta, pois neste
momento o sinal tocou e ouvi o que parecia o barulho dos portões abrindo.
Virei-me para verificar e quando voltei à menina de olhar meigo já não se
encontrava mais lá.
Tentei procurá-la, olhando em volta e entre
os outros alunos que começavam a passar por mim. Tudo em vão. Não sabia seu
nome, e com certeza não a veria novamente. Só me restava entrar para a escola e
enfrentar aquele dia frio e sem graça.
Já estava na hora da saída, depois de todas
aquelas aulas que para meu alívio não haviam sido tão ruins para uma manhã de
segunda-feira, lembrei-me de que precisava passar na secretária para acertar
alguns documentos que estavam pendentes.
O longo corredor que levava até a secretaria
era repleto de todo o histórico da nossa escola, troféus e fotos de todas as
turmas de anos e anos atrás. Aquelas
fotos sempre me passavam despercebidas, com todos vestidos com roupas de
formandos azuis nunca parei para verificar sequer um dos rostos que compunham
aqueles painéis. Porém, um quadro em particular acabou por chamar a minha
atenção. Era o quadro da minha turma, da mesma sala dos anos de 1883. Parei
para observar um pouco, rindo de alguns que tinham um rosto engraçado, até que
me deparei com algo muito estranho.
Estava lá, na sexta
fileira, a sexta foto. Naquele pequeno espaço estava a menina. A menina de
olhos meigos e cabelos negros. A mesma que havia falado comigo naquele dia. A
menina, que neste ano, deveria estar com aproximadamente 131 anos. Senti um
arrepio subir pela espinha, não conseguia sair do lugar. Era ela que hoje,
tinha vindo me dizer oi.
Ainda não tendo registrado como aquilo
poderia ser possível, aos poucos, fui me apoiando na parede para poder me
virar. Suspirando, quase não pude acreditar quando me deparei com o rosto da
menina a menos de 10 cm do meu. Ela me olhava fixamente, os olhos que antes
eram meigos, agora transpareciam raiva. Ela abriu a boca, gritando alguma coisa,
mas de seus lábios não saia nenhum som. Fechei os olhos em desespero, gritando
para que fosse embora, e enquanto gritava freneticamente senti alguém me
chacoalhando pelos ombros.
-Ei! Porque você está
gritando? Acalme-se garota! – Disse uma menina que eu reconheci como sendo da
sala ao lado da minha.
Olhei pelos lados, ignorando momentaneamente
a pergunta e procurando a morta. Temporariamente feliz por não encontra-la,
voltei minha atenção à menina que tinha um enorme ponto de interrogação na
face.
-Eu estou bem... Só
vi um bicho estranho e me assustei.
-Eu hein... Garota
louca! – Murmurou a uma altura que eu pude ouvir.
Não querendo
permanecer nem mais um minuto ali, saí praticamente correndo. E jurei a mim
mesma que nunca mais voltaria aquele lugar novamente.