domingo, 10 de agosto de 2014

As loucuras da beleza – Stefany da Silva Santos


Tudo começou a mais ou menos um mês, com a chegada da nova professora de artes. Não aparentava ser má pessoa, pois suas aulas eram muito agradáveis, estava sempre sorrindo e nunca alterou seu tom de voz com qualquer aluno. Quando alguém fazia um desenho “feio” ela costumava dizer: “O importante não é a beleza, mas sim a mensagem que transmite”.
O que era meio irônico vindo de uma pessoa como Naomi, ninguém mencionava, mas era evidente que havia feito varias plásticas, seu nariz era muito empinado e a pele de seu rosto estava demasiada esticada, a ponto de assemelhar-se a um plástico, sua boca era incrivelmente pequena e até seus olhos pareciam postiços; olhos azuis e cintilantes, muito parecidos com o de uma garota que estudava aqui, (mudou de escola dois dias após a entrada da nova professora).
Estávamos em uma de suas aulas, exatamente a ultima do dia, quando ela se aproximou de minha amiga, Eliza, e começou a fazer elogios exagerados sobre seu cabelo.
- Seus cabelos são lindos, disse ela.
Os cabelos de Eliza eram castanhos, sedosos, compridos e ondulados, eu mesma já imaginei ter um cabelo como aquele.
- Realmente lindos! Realmente perfeitos! - Exclamava ela.
Logo depois, passou a mão nos próprios cabelos, como se imaginando com cabelos daquela que acabara de elogiar.
- Ah! Obrigado professora - respondeu Eliza encabulada já com o semblante começando a corar.
- E olha para você! - agora se referindo a mim. Senti seus olhos pesando sobre minha pele, como se me examinasse. – Essa pele! Tão bonita, tão macia, perfeita! - Ao falar estas palavras, passou as costas de sua mão em seu próprio rosto, com um olhar distante.
O sinal soou, o que a fez despertar de seus devaneios, deu uma ultima olhada em minha pele e nos cabelos de minha amiga, em seguida abriu um largo sorriso, não o sorriso carinhoso de sempre, este era diferente, tinha um aspecto maldoso, era um sorriso sádico.
Esperei que Naomi recolhesse todo o seu material didático e se retirasse da sala, me certifiquei que já estivesse longe, agarrei minha mochila e sai o mais rápido que pude da escola, Eliza já logo atrás de mim pedindo para que a esperasse, quando finalmente senti que era seguro, perguntei-lhe:
- Você viu aquilo? Aquele sorriso? E aquelas coisas malucas que ela falou?
- Sim, e dai?
- Você não achou estranho?
- Deixa de paranoia, ela só estava nos elogiando.
- Mas e aquele sorriso?
- O que tem o sorriso? Ela esta sempre sorrindo. – disse com desdém.
- Mas aquele era diferente, era como se...
- Ai que droga! – interrompeu-me Eliza. - Esqueci meu livro na sala... Nos vemos mais tarde, beleza? 2:00hr aqui no portão da escola.
- Tudo bem, respondi dando um suspiro.
Observei minha amiga voltar correndo para a escola, saindo pouco a pouco do meu campo de visão. Caminhei lentamente rumo a minha casa, com as palavras da professora ecoando em meus ouvidos.
Chegando em casa, corri para meu quarto e me livrei do peso que era minha mochila, olhei o relógio pendurado na parede, eram 13:20hr, logo teria de voltar para a escola. Vaguei distraidamente pela casa, meus pais não estavam, como sempre. Não conseguia me concentrar em nada, o sorriso malvado da professora não saia de minha cabeça. “Talvez eu estivesse delirando”, “aquilo devia ter sido minha imaginação”. Estava perdida nesses pensamentos, quando percebi que já era hora de me encontrar com Eliza.
Tinham se passado trinta minutos desde a hora marcada, e minha amiga ainda não havia chegado, o que achei realmente estranho, pois normalmente ela costuma ser bem pontual. Tentei ligar para ela, mas em todas às vezes caia na caixa postal, estava prestes a ir embora, quando senti uma forte dor na nuca, alguém havia me dado uma pancada na cabeça, cai no chão perdendo a consciência.
Acordei com muita dor, tentei me mover, mas não consegui, então percebi que estava deitada em uma maca, com ambas as mãos e pés amarrados. O lugar estava escuro exceto por uma forte luz em meu rosto. Desesperada e sem entender o que estava acontecendo, me balançava freneticamente tentando me livrar das ataduras.
- Então você já acordou? – perguntou uma voz.
- Quem está ai?!
Pude ouvir sons de passos se aproximando, então alguém parou ao meu lado. Não consegui ver seu rosto, mas logo identifiquei os cabelos e perguntei, ainda com um pouco de duvida:
- E-Eliza? – A pessoa nada respondeu, apenas começou a rir e aproximou-se um pouco mais. Forcei as vistas para enxergar melhor e o que vi me deixou espantada, não era Eliza, era Naomi e não usava seu cabelo habitual, mas sim cabelos castanhos compridos, os cabelos de minha amiga...
- Você precisa admitir que esse cabelo ficou melhor em mim do que nela – Olhou em meus olhos, como se me desafiasse a contraria-la.
- Eliza... O que fez com ela?
- Se eu fosse você não me preocuparia com ela agora – após dizer isso, tirou algo do bolso, algo com ponta, olhando melhor pude perceber que era um bisturi. – Você gostou? Ganhei de um amigo á alguns anos atrás, quando ainda era uma cirurgiã, gostava muito dele. Tinha uma pele linda, linda pele... Foi por isso que eu a arranquei! – Dito isso, abriu o mesmo sorriso maldoso da sala de aula, era como se sentisse prazer por cada palavra pronunciada.
- Você é maluca! Um monstro!- gritei.
- Como você pode ver... – continuou ela, ignorando completamente minhas acusações. – É complicado manter a pele conservada, e é por isso preciso da sua.
Estava apavorada demais para pronunciar qualquer palavra, senti lagrimas brotarem de meus olhos e a única reação que tive foi fecha-los. Uma baforada de ar atingiu meu rosto e a voz irritante de Naomi sussurrou em meu ouvido:
- Sinta-se honrada, não costumo usar esse bisturi com qualquer um.
Senti a ponta do bisturi perfurar minha pele e deslizar lentamente fazendo o contorno do meu rosto, era uma dor incomensurável, gritei muito, mas ninguém parecia me ouvir. Sabia que não aguentaria por mais tempo, tinha perdido qualquer esperança, só queria que tudo terminasse logo.
Ouvi uma pancada surda e o bisturi parou quando estava prestes a fazer o contorno de meu queixo, algo caiu no chão e em seguida ouvi o tilintar de alguma coisa. Abri meus olhos e vi Eliza, seu rosto estava machucado e sua cabeça havia sido tosada, segurava uma madeira, a qual usará para bater em Naomi, que se encontrava inconsciente no chão.
Ela começou a me desamarrar o mais rápido que conseguiu. No momento não sei descrever o que estava sentindo, era um êxtase de emoções, medo, alivio, dor... Sei que por um momento fiquei num estado de insanidade, sem saber o que falar ou como agir. Eliza ajudou-me a levantar e nós começamos a correr em direção a uma porta.
Quando a alcançamos, Eliza soltou um grito agudo, olhei para traz e vi que Naomi havia cravado o bisturi em suas costas. Agora ela tinha um olhar agressivo, e parecia determinada a nos matar, segurei minha amiga como pude e continuamos correndo, atravessamos um corredor e descemos uma escada, fomos em direção à outra porta que dava direto para a rua.
Saímos em uma rua desconhecida e totalmente deserta, o edifício atrás de nós, do qual havíamos saído, parecia abandonado.
Afastamo-nos daquele lugar o mais rápido que podíamos, sem sequer ousar olhar para trás. O ferimento de Eliza era muito grave e aos poucos ela começou a desfalecer, apoiava-se em meu ombro, seu peso morto quase me impedia de continuar andando, então comecei a gritar desesperadamente por ajuda.
Ao longe avistei um casal e implorei por socorro, estes vieram correndo em nossa direção. Enquanto a mulher telefonava para uma ambulância o homem tentava entender o que tinha acontecido, mas eu simplesmente não conseguia falar.
Estava preocupada com minha amiga, pois ela estava com dificuldades para respirar e comecei a temer pelo pior.
Olhei para trás, com medo de aquela mulher estar me seguindo. Quando a ambulância chegou, me senti um pouco aliviada, colocaram Eliza numa maca, e entrei na ambulância junto com ela. Um dos paramédicos a examinava atenciosamente, e disse:
- Ela não esta morta, mas em um estado grave e pode vir a falecer.
Aquelas palavras me deixou muito abalada e comecei a chorar desesperadamente, um paramédico me deu uma injeção, que imagino ter sido algum calmante ou algo semelhante, pois adormeci instantaneamente.
Acordei no hospital, de inicio fiquei assustada, pois pensei que Naomi havia me sequestrado novamente, mas uma enfermeira entrou no quarto e logo me acalmei. Ela perguntou como eu me sentia, e disse que o corte em meu rosto havia sido costurado, que eu não deveria fazer esforços.
- Como esta Eliza? – Perguntei.
- Bom... – Ela me lançou um olhar cheio de tristeza e na hora eu intendi o que aquilo significava, Eliza faleceu. – Uma investigadora esta esperando lá fora para ouvir seu depoimento, se preferir, mando voltar outra hora.
- Não! Eu quero contar tudo o que sei se isso ajudar a prender aquela assassina! – Falei cheia de ódio.
A enfermeira saiu e logo em seguida uma moça alta de cabelos pretos encaracolados entrou. Era a investigadora. Contei tudo o que aconteceu comigo e com minha amiga, ela me escutava atenciosamente, parecia realmente determinada a encontrar Naomi. No fim ela olhou em meus olhos e disse que sentia muito pela minha perda, e no mesmo instante eu soube que ela também perderá alguém. Não sei bem exatamente o que senti, mas sabia de alguma forma que a morte de Eliza seria vingada.
Mas enquanto essa psicopata ainda está à solta, sei que não conseguirei ter paz. Mesmo após mudar de cidade. A cicatriz deixada por ela, a culpa por não conseguir salvar minha amiga, me assombra todas as noites em forma de pesadelos. A terrível figura de olhar agressivo e sorriso maligno, com um bisturi, pronta para continuar o serviço inacabado.

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