sexta-feira, 25 de julho de 2014

Visita do passado – Geovanna Soares

  
Nem o sol havia surgido pelo horizonte e lá estava eu. Tirando a coberta da cabeça e desejando poder dormir mais. Aquele sono tão bom que parecia surgir apenas nos últimos minutos da manhã ainda me embalava, e tudo o que eu queria era poder ignorar o som do despertador e voltar ao meu sonho com bruxas e dragões.
  Porém, aquela musica que para mim já havia se transformado em ruído não parava. Obrigando-me a sair da cama para pôr um fim àquela tortura.
Como todos os dias, em minha rotina matinal, peguei tudo aquilo de que precisava e desci as escadas com cautela, para não acordar mais ninguém da casa e fui tomar meu banho.
  Fiquei pensando, enquanto aquelas gotas tão quentes do chuveiro acertavam e deslizavam pelos meus cabelos o que em algumas horas estava para acontecer. Mais um dia monótono. As mesmas coisas. O mesmo lugar. Os mesmos professores. As mesmas discussões. E mesmo estando habituada a tudo aquilo apenas não passava de uma pessoa invisível, da qual os outros não davam atenção.
  Com um leve suspiro, fechei o registro e terminei de me arrumar. Atravessei a fumaça que saia do banheiro direto para a cozinha. Peguei o pão, a geleia e o suco. Montei meu café e comi em silêncio, conseguindo ouvir apenas o leve ronco dos que dormiam no andar de cima. Debrucei-me sobre a mesa, mastigando aquele pão que parecia estar mais triste do que eu. Há como seria bom poder ter um dia diferente! Bons pensamentos me ocorriam, pude sentir um leve sorriso se formar em meus lábios quando tentei imaginar como seria o meu dia perfeito.
  Tendo como motivação a ideia de quanto mais cedo fosse mais cedo voltaria, deixei o que havia sobrado de meu café na mesa, escovei os dentes rapidamente, joguei a mochila nas costas e me pus a caminhar pela rua. Não poderia me atrasar.
Mas, aparentemente havia chegado cedo. Pois os portões estavam fechados. O frio da manhã parecia ter aumentado, e logo desejei estar com um casaco mais quente. Encostei-me ao muro e fechei os olhos, lutando contra o sono e tentando me convencer de que as aulas que estavam por vir seriam diferentes de algum modo. Mal havia concluído estes pensamentos e senti alguém tocar meu ombro.
-Você está bem? – Perguntou a menina de olhar doce que se encontrava a minha frente. Tinha longos cabelos pretos e um olhar extremamente meigo. Sua pele tão branca parecia quase pálida. Dando mais contraste com seus lábios que tinham um vermelho intenso. – Você me parece um pouco triste e solitária. Quer companhia?
-Estou bem. – Respondi ainda um pouco assustada com a abordagem repentina.
-Você estuda aqui?
-Sim. – Respondi mal podendo acreditar que depois de tanto tempo o meu efeito invisível parecia ter passado. Porém, sua presença me passava um sentimento estranho, algo que nunca havia sentido antes.
-Interessante. Qual é o seu nome? – Perguntou a garota sorrindo.
-Lídia. E o seu?
  Não consegui ouvir sua resposta, pois neste momento o sinal tocou e ouvi o que parecia o barulho dos portões abrindo. Virei-me para verificar e quando voltei à menina de olhar meigo já não se encontrava mais lá.
  Tentei procurá-la, olhando em volta e entre os outros alunos que começavam a passar por mim. Tudo em vão. Não sabia seu nome, e com certeza não a veria novamente. Só me restava entrar para a escola e enfrentar aquele dia frio e sem graça.
  Já estava na hora da saída, depois de todas aquelas aulas que para meu alívio não haviam sido tão ruins para uma manhã de segunda-feira, lembrei-me de que precisava passar na secretária para acertar alguns documentos que estavam pendentes.
  O longo corredor que levava até a secretaria era repleto de todo o histórico da nossa escola, troféus e fotos de todas as turmas de anos e anos atrás.  Aquelas fotos sempre me passavam despercebidas, com todos vestidos com roupas de formandos azuis nunca parei para verificar sequer um dos rostos que compunham aqueles painéis. Porém, um quadro em particular acabou por chamar a minha atenção. Era o quadro da minha turma, da mesma sala dos anos de 1883. Parei para observar um pouco, rindo de alguns que tinham um rosto engraçado, até que me deparei com algo muito estranho.                      Estava lá, na sexta fileira, a sexta foto. Naquele pequeno espaço estava a menina. A menina de olhos meigos e cabelos negros. A mesma que havia falado comigo naquele dia. A menina, que neste ano, deveria estar com aproximadamente 131 anos. Senti um arrepio subir pela espinha, não conseguia sair do lugar. Era ela que hoje, tinha vindo me dizer oi.
  Ainda não tendo registrado como aquilo poderia ser possível, aos poucos, fui me apoiando na parede para poder me virar. Suspirando, quase não pude acreditar quando me deparei com o rosto da menina a menos de 10 cm do meu. Ela me olhava fixamente, os olhos que antes eram meigos, agora transpareciam raiva. Ela abriu a boca, gritando alguma coisa, mas de seus lábios não saia nenhum som. Fechei os olhos em desespero, gritando para que fosse embora, e enquanto gritava freneticamente senti alguém me chacoalhando pelos ombros.
-Ei! Porque você está gritando? Acalme-se garota! – Disse uma menina que eu reconheci como sendo da sala ao lado da minha.
  Olhei pelos lados, ignorando momentaneamente a pergunta e procurando a morta. Temporariamente feliz por não encontra-la, voltei minha atenção à menina que tinha um enorme ponto de interrogação na face.
-Eu estou bem... Só vi um bicho estranho e me assustei.
-Eu hein... Garota louca! – Murmurou a uma altura que eu pude ouvir.
Não querendo permanecer nem mais um minuto ali, saí praticamente correndo. E jurei a mim mesma que nunca mais voltaria aquele lugar novamente.


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